A desigualdade no acesso à terra, as disputas por moradia e os entraves na regularização fundiária continuam a ser desafios históricos no Brasil. Em busca de caminhos práticos e integrados para solucionar esses problemas, magistrados, procuradores e representantes da advocacia se reuniram em Brasília no 1º Encontro das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias da Justiça Federal.

O evento, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) com apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), teve como principal objetivo fortalecer a articulação nacional entre as comissões regionais, estimulando o diálogo interinstitucional e a busca por soluções consensuais nas disputas por terras urbanas e rurais.

A programação incluiu oficinas temáticas sobre fundamentos jurídicos, recortes territoriais e culturais, além de aspectos ambientais, contando com a participação de especialistas de todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs).

O papel da advocacia e as desigualdades regionais

Representando o Conselho Federal da OAB, o conselheiro federal Ian Samitrius Lima Cavalcante (OAB-PI) destacou a urgência de soluções integradas e a disparidade entre as regiões brasileiras.

Ele observou que, enquanto o Sul e o Sudeste do país debatem temas mais avançados, como a multipropriedade, o Norte e o Nordeste ainda enfrentam a luta pelo básico: a garantia da matrícula e da regularização fundiária. Essa diferença evidencia a importância de iniciativas como a do CJF, que promovem o diálogo em busca de soluções concretas para diminuir o abismo social.

Cavalcante, que também preside a Comissão Especial de Direito Notarial e Registral do Conselho Federal da OAB, usou seu estado de origem, o Piauí, como exemplo das dificuldades, citando que cerca de $80\%$ das terras piauienses ainda enfrentam irregularidades e disputas por moradia. Ele enfatizou que, apesar dos avanços, é fundamental rever políticas públicas e buscar soluções mais abrangentes, destacando o papel ativo da advocacia.

Judiciário como agente de transformação social

A abertura do encontro reuniu autoridades que reforçaram o papel social da Justiça Federal no enfrentamento dos conflitos fundiários. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, ministro Herman Benjamin, lembrou que esses conflitos têm raízes históricas no país e exigem sensibilidade social. Segundo ele, o compromisso é “olhar para o social e garantir que o patrimônio seja preservado para as futuras gerações”.

Na mesma linha, o vice-presidente do STJ e diretor do CEJ, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que o Judiciário atua como um indutor de soluções, pois quando se movimenta, mobiliza outros atores para o diálogo. Salomão ressaltou que a regularização fundiária vai além do título de propriedade, trazendo consigo educação, saúde, cidadania e dignidade para as comunidades.

O ministro Benedito Gonçalves, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), reforçou que a jurisdição fundiária deve buscar um equilíbrio entre a proteção de direitos, a segurança jurídica e a sensibilidade social.

A importância do diálogo e das soluções consensuais

Diversas autoridades presentes destacaram o foco humano das iniciativas e a necessidade de priorizar a conciliação. O juiz federal Otávio Henrique Martins Port ressaltou que o objetivo é “aproximar as pessoas, ir além da aplicação mecânica da lei e promover diálogo, mediação e construção de acordos”. Para o presidente da Ajufe, juiz federal Caio Castagine Marinho, buscar soluções consensuais é a face mais importante do Judiciário, pois equaliza não apenas o direito, mas a vida concreta das pessoas.

O secretário-geral do CJF, juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, elogiou o trabalho das comissões regionais, que trazem “soluções únicas, fruto de dedicação e sensibilidade”.

Função social da propriedade e criatividade judicial

Em sua conferência inaugural, o ministro do STJ Afrânio Vilela reforçou o conceito de função social da propriedade e a importância da criatividade judicial na busca por resoluções. Ele explicou que a essência da regularização fundiária é “promover justiça social no uso da terra, legitimando a propriedade rural e urbana dentro das peculiaridades do Brasil”.

Segundo o ministro Vilela, não existe uma solução única para os conflitos fundiários, sendo necessário “diálogo constante e criatividade”. Ele acrescentou que o bom senso indica que o magistrado deve sempre priorizar a conciliação como o caminho prévio e mais eficaz para resolver os conflitos.

A cerimônia de abertura também contou com a presença da procuradora-geral federal Adriana Maia Venturini e da juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal.

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